MMXXI.22 - O LOBBY DA GRETTA

 


de 31 de outubro a 12 de novembro, na cidade escocesa de glasgow, decorre a “cop26” – a 26ª conferência sobre mudanças climáticas promovida no âmbito da convenção-quadro das nações unidas sobre a mudança do clima, sob a presidência de alok sharma, ministro de estado do governo de boris johnson.

a cop26 é, na prática, a terceira reunião dos 196 países-membros do acordo de paris, assinado em 2015 durante a conferência sobre mudança do clima das nações unidas, e estava prevista para ser realizada em novembro do ano passado, mas foi adiada um ano, por questões pandémicas.

a 26ª conferência sobre mudanças climáticas já não traz consigo tanta esperança quanto as outras no passado trouxeram. mais a mais porque estamos cansados, cada vez mais cansados. ora de palavras ocas, frases feitas e boas intenções, ora de discursos radicais, extremados e simplistas. infelizmente, o problema das alterações climáticas não é simples, nem de explicação nem de ação, nem tão pouco poderá ser reduzido a uns quantos clichés e slogans de protesto.

isto não devia ser tratado como uma guerra entre “nós e eles”, em que o “nós” somos sempre os que estão do lado certo da história – seja lá esse qual for – e os “outros” são sempre os vilões. como se o herói da história não fosse também ele complexo e falível nem o vilão capaz de humanidade e redenção. fazer disto uma guerra é perder a luta à partida, reflexo directo da ignorância e da incapacidade de compreensão do complexo mundo em que vivemos.

a greta thunberg não gostou do mundo que viu à sua volta nem percebeu a sua complexidade. como poderia, ela, coitada? tão inocente e já tão manietada, jovem iludida centelha de esperança, crente numa mudança que só acontece no mundo de fadas, antes da perda da inocência, onde o bom é sempre bom e o mau é sempre vilão. 

privilegiada por nascimento, europeia e nórdica, assistiu horrorizada às ameaças ao nosso planeta, projectadas no ecrã da sua televisão de plasma e sentiu uma enorme revolta pelas atrocidades ambientais do ser humano. então, incentivada pelos seus pais conscientes e compreensivos, divulgada por uma comunicação social ávida de um símbolo de luta, acarinhada por uma causa a perder força, desesperada por novas vozes e novas caras, e catapultada pelas redes sociais à procura do novo conteúdo viral, saiu à luta.

greta defende o planeta. como milhões de outras pessoas o fazem. só que teve o privilégio de discursar nas nações unidas, apontando o dedo aos líderes políticos, acusando-os de nada fazerem e de tudo venderem em prol do lucro, cheia de si e das suas convicções, de tal forma que o resultado do seu discurso foi nulo. um lobby que não vingou, porquanto desajustado e no sítio errado à hora errada. serviu para ecoar frases feitas, intenções vagas e ideias simplistas, num discurso de urgente catastrofismo que acabou por torná-la num meme engraçado, por si só gerador de olhares “à greta” e “how dare you”’s à greta, e um sem número de coisas que passaram a ter o “à greta” apenso que nem adjectivo qualificativo.

este ano, greta não foi convidada. ficou incomodada e foi à conferência de qualquer maneira – como diria jim morrisson: unannounced, unplanned for / like a scaring over-friendly guest you’ve brought to bed – e juntou-se aos manifestantes na rua, para protestar pelo clima e pelo planeta. que é a única coisa que sabe fazer.

desta vez não teve direito a um veleiro eco-friendly para atravessar o atlântico, nem a hordas de jornalistas a anunciar a sua chegada, nem tão pouco a uma passadeira vermelha para a fazer sentir desejada e privilegiada como já foi. greta apareceu assim, como qualquer um de nós, como mais uma protestante. greta, não. ms thunberg, como agora a designam, porquanto já maior de idade, parece que perdeu o primeiro nome, sobejando-lhe apenas o sobrenome. 

desta vez, visivelmente incomodada e frustrada por o mundo não mudar à velocidade dos seus contos de fada, greta enveredou pelo tradicional discurso de protesto. disse: “no more blah, blah, blah”; “lá dentro [cop26] só estão políticos e pessoas no poder a fingir que levam o nosso futuro a sério”; disse também que “a mudança não virá lá de dentro (...) aquilo não é liderança, isto é liderança”, que os políticos “podem enfiar a crise ambiental nos vossos cus” e mais umas quantas banalidades genéricas sobre a exploração dos recursos naturais, dos recursos humanos e sobre o atropelo às condições de trabalho.

enfim, tal como alguns políticos, não disse nada de novo, nada de original, mais do mesmo. só faltaram as correntes para se amarrarem às árvores da amazónia para que os “outros”, os malfeitores, não as cortem, ao estilo radical da greenpeace a que nos acostumaram algumas décadas atrás.

uma tragicomédia, a maneira como o mundo transformou uma jovem inocente bem intencionada, apesar de privilegiada e iludida, numa lobbyista e activista da “agenda verde”, fazendo-a passar de a “next-big-thing” a apenas mais uma radical maluca a vociferar ameaças de megafone na mão. não deixa de ser paradigmático que no vídeo de greta, quando ela, empolgada pelos “vivas” e pelas palmas às suas palavras, arrisca a pergunta milionária: “what are we going to do?” e à sua volta apenas se ouvem silêncios e risos. risos de quem sabe que não há uma resposta imediata, nem há acção que se veja em pouco tempo. se calhar, greta não viverá para ver as mudanças por que luta. 

no que concerne às opções energéticas renováveis e verdes, vem-me sempre à lembrança a questão da alimentação saudável. olhamos para os norte-americanos como um povo de fast food e de desequilíbrios alimentares brutais para os nossos padrões europeus e, mais especificamente, açorianos. no entanto, não podemos deixar de ter em conta que para os norte-americanos só pode comer saudável quem tem dinheiro, não quem quer. como é possível que o burger king tenha um menu de 1 dólar (87 cêntimos de euro) com direito a um hambúrguer, batatas fritas e uma bebida gaseificada, e numa mercearia normal de nova iorque um quilo de arroz custe 4,50€, um quilo de tomates 5,40€ e um quilo de carne 15,85€? 

quem é que no seu perfeito juízo pode criticar as famílias com menos rendimentos de alimentarem os seus filhos com “comida de plástico” quando uma alimentação saudável custa dez vezes mais do que um menu numa cadeia de fast food? não quer dizer que quem alimenta os filhos com “plástico” não queira o melhor para eles, não entenda os benefícios de uma alimentação saudável, rica em alimentos diversos e verdes, e não tenha preocupação sobre a saúde dos seus filhos. 

infelizmente, em certos países, ter uma alimentação saudável não é para quem quer, é para quem pode. é mais ou menos o mesmo com os carros eléctricos: não é que não queiramos mudar, não temos todos dinheiro para o fazer. e enquanto os combustíveis fósseis forem mais baratos, o resto é capacidade financeira. lobbies, portanto. como o da ms. thunberg.

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