MMXXII.21A.POLITIQUICES LITERÁRIAS
no dia 10 de setembro de 2002, a equipa de produção do “arquipélago de escritores” (composta por nuno costa santos, sara leal, hugo gonçalves e rita fazenda) deu a conhecer a temática da sua 5ª edição, assim como a banda – os “the wants” – que daria o arranque ao certame, que este ano decorreu de 7 a 8 de outubro, em ponta delgada, e de 13 a 16 de outubro, em angra do heroísmo.
portanto, cerca de um mês antes da sua realização, o “arquipélago de escritores” apresentou em traços gerais aquela que seria a sua programação, que incluiu nomes como vasco pereira da costa, isabela figueiredo, filipe cardoso, mercês pacheco, pedro almeida maia, josé carlos barros, vamberto freitas, josé carlos frias, a par de espectáculos dos cães do mar, oficina do gimba – escrita de letra e canções, e uma feira de vinis, cds e livros.
o “arquipélago de escritores” é uma iniciativa de nuno costa santos que desde a sua primeira edição contou com o apoio incondicional da câmara municipal de ponta delgada. melhor dito, o “arquipélago de escritores” foi, nas suas duas primeiras edições, apresentado como uma iniciativa, em primeira instância, da câmara municipal de ponta delgada, tendo de seguida o apoio do governo regional dos açores e da flad.
tanto foi, que em janeiro de 2019, aquando da 2ª edição do encontro, josé manuel bolieiro – à data presidente da edilidade – disse que “ao sucesso da 1ª edição, que muito nos honrou e muito nos orgulhou, sucede-se o nosso compromisso, a nossa responsabilidade e ânimo para dar continuidade”, salientando que o projecto se apresentava “como uma oportunidade de celebrar uma identidade, sendo, por isso, responsabilidade do município apoiar a iniciativa”.
bolieiro frisou na altura que “a nossa dimensão cultural ultrapassa em muito a nossa dimensão geográfica” e que o evento “contribui para a notabilidade de ponta delgada, dos açores e da açorianidade, contando com a participação de pessoas ‘altamente qualificadas’” e de “testemunhos que nos honram”. dirigiu uma palavra de apreço a nuno costa santos, na altura descrito como “parceiro e ideólogo desta iniciativa e desta ‘ousadia arquipelágica’”, expressando “orgulho do feito, do que se faz e no que se fará para futuro”.
lembrou ainda os presentes que o “arquipélago de escritores” havia sido distinguido como acontecimento do ano pelo jornal correio dos açores, e muito elogiado, quer pela imprensa regional, quer pela nacional. depois de bolieiro veio maria josé duarte e o evento continuou a ser apoiado pela câmara municipal de ponta delgada.
chegados a 2022, não só o evento não é apoiado de todo pelo “maior município dos açores”, como é ofuscado por um evento semelhante, promovido pela câmara municipal de ponta delgada, de nome “encontros literários”, na sua primeiríssima edição de 2022 dedicados a alice moderno, nos mesmíssimos dias 7, 8 e 9 de outubro do “arquipélago dos escritores”.
caramba! se isto não é politiquice ao seu mais baixo nível. é que uma coisa é a inevitável sobreposição de oferta cultural nos diversos municípios, o que por um lado é uma chatice para quem não tem o dom da ubiquidade, mas que por outro lado revela uma sociedade pujante com uma oferta cultural temática e geograficamente diversificada; outra coisa completamente diferente é o município deixar cair à surdina o apoio a um evento literário desta natureza, sem explicação, e promover um evento rival, nos mesmos dias, como se diz na gíria dos nossos miúdos, “à cara podre”.
é lamentável esta forma de fazer política cultural e não posso deixar de assinalar a perda que é para todos nós que isto tenha acontecido. pese embora o evento da câmara peque pela qualidade, salvo honrosas excepções, a organização dos “encontros literários” não deixou de ser uma atitude mesquinha, divisiva, e que em nada contribui(u) para o engrandecimento cultural das nossas gentes.
é que o livro e a leitura não são, infelizmente, prioridades políticas – isso sabemo-lo há já muito. para lá da constatação do óbvio, ainda muito recentemente fomos brindados com um lembrete desta falta de prioridade, aquando da apresentação do orçamento de estado para 2023, na assembleia da república, no qual as palavras “livro” ou “livreiro” praticamente não existem.
portanto, se já é a promoção do livro e da leitura uma luta inglória nos nossos dias, a oferta de dois eventos literários em 3 dias em simultâneo, provocando impossibilidade de o público assistir aos dois – independentemente dos motivos que possam vir a ser alegados –, é um gasto desnecessário de dinheiro público.
analepse: no início dos anos 2000, juntamente com valter peres, organizei o art&manhas – encontro de artes, promovido pelo teatrinho – espaço de criação, cujas edições se realizaram em formatos variados, adaptados aos espaços onde decorreram – como o teatro angrense, o museu de angra ou a recreio dos artistas. o art&manhas tinha o propósito de promover o debate sobre aqueles que eram (e ainda são) os constrangimentos com que os promotores culturais se deparam no seu quotidiano, aos quais acresce o pouco apoio e financiamento públicos existentes.
numa das edições do encontro, que decorreu no museu de angra, sentámos à mesma mesa os vereadores da cultura de ambos os municípios (por angra, luísa brasil; pela praia, paulo codorniz) assim como o director regional da cultura, à data vasco pereira da costa, com o intuito de debater a necessidade de articulação da oferta cultural entre ambos os municípios e a direcção regional da cultura, a fim de se evitarem sobreposições de eventos culturais que retiravam público uns dos outros.
no decurso da discussão, deu para perceber que tal nunca seria possível, uma vez que alguma da programação cultural era de facto programada de acordo com a programação do outro município, numa lógica de “se eles têm um evento esse dia, nós também vamos ter”. não é que se tratasse sempre de uma vontade deliberada de boicote, embora volta e meia fosse isso que movesse a decisão, mas mais uma necessidade de acompanhar o comboio do município vizinho e não ficar atrás na plataforma, a ver passar navios.
mas eu pensava que aquela situação tinha um enquadramento particular de liderança e de modus operandi que eram explicáveis, por um lado, pela idade dos protagonistas e, por outro, pela inexperiência natural por que passaram muitas das vereações da cultura dos nossos municípios, rumo a um cada vez maior profissionalismo e uma boa gestão da coisa pública.
de regresso ao presente: infelizmente, ainda subsiste politiquice cultural, neste caso, literária. e desengane-se quem acha que toda a juventude é o futuro. a idade não é um factor diferenciador por si só. por vezes, o discurso do “porque é mais jovem terá ideias diferentes” cai por terra quando verificamos que há jovens que o são mesmo quando perfazem 100 anos de idade, ao passo que há velhos que já o são logo à nascença.
independentemente da idade, serão sempre velhos.
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