O EXPERIMENTAR NA M'INCOMODA



Este ano completam-se 7 anos desde que os Experimentar Na M'incomoda apareceram pela primeira vez no panorama musical açoriano. Cedo se percebeu que este projecto seria muito mais do que uma pequena experiência.

"O Experimentar Na M'Incomoda" is a contemporary recreation of azorean traditional music. Using ancient folk songs, religious chants and whaler's songs from one of the Portuguese archipelagos, lost in the middle of the Atlantic, we re-contextualize songs and sounds giving them a contemporary and urban feel.

(https://oexperimentar.bandcamp.com/album/o-experimentar-na-mincomoda)

É desta forma que se apresentam em inglês - como sendo uma recreação de música tradicional açoriana. Isto com recurso a músicas folclóricas, cânticos religiosos e canções de baleeiros do arquipélago dos Açores, local de nascimento de Pedro Lucas, mentor da banda.

O primeiro álbum foi uma pedrada no charco da sonoridade açoriana, bastando para tal ouvir a versão de "Ilhas de Bruma", na voz de Zeca Medeiros, ou "Caracol" de Carlos Medeiros. Duas músicas tradicionais do imaginário açoriano aqui reinventadas industrial e electronicamente. Sem pudor, sem limites de experimentação. Porque o experimentar na m'incomoda de modo algum.

O nome da banda pisca o olho ao LP de Carlos Medeiros intitulado O Cantar na m'incomoda, lançado a 1 de janeiro de 1998, composto por 9 temas, incluindo O Caracol, Lenga lenga, Santiana, As Vacas e Rema. Estas cinco músicas fazem também parte deste primeiro álbum dos Experimentar Na M'incomoda, sendo que também estão incluídas neste primeiro álbum homónimo as músicas: Ilhas de Bruma, Fiando o linho, Foliões, Bela-Aurora e O Bravo.

Manuel Halpern considera que este trabalho está no universo de caminhos trilhados por João Aguardela com o seu Megafone. Considera este um dos melhores discos de 2010, ou ainda de 2015. Penso que não é abusivo afirmar-se que ambos entendemos que a actualidade deste primeiro trabalho permite de facto dizer-se que é um álbum do ano para mais de um único ano.

Artigo Manuel Halpern: http://visao.sapo.pt/jornaldeletras/musica/o-experimentar-na-mincomoda-tradicao-de-vanguarda=f578079

Ainda bem que há quem faça música desta forma. Deconstruindo aquela que é ainda uma tradição presente no quotidiano de todos os açorianos - as músicas, os cânticos, o pagão e o sagrado, que é como quem dirá, no segundo álbum dos Experimentar Na M'incomoda, qualquer coisa como "O Sagrado e o Profano". Nada mais certeiro. A dualidade dos Açores: a moderna contemporaneidade lado a lado com a enraizada tradição que extravasa em muito toda e qualquer racionalização globalizada.

Os Açores são mais do que nove ilhas, são universais. Este álbum assim o atesta - tal como o atestam as literaturas, as encenações, as criações que brotam destas nove ilhas no meio do Oceano Atlântico plantadas. Contudo, consegue também ser apenas uma ilha fechada dentro de um arquipélago que de si é aberto. Tal como Homem, que só ouve quem quer ouvir e aceita apenas oráculos favoráveis, também o açoriano gosta de só se ouvir. Dentro do seu umbigo, em círculo amniótico de inacção.

Mas nem sempre assim é - e sempre o é universal. E não é difícil entender-se tal coisa. A alma do açoriano é a alma do Homem, mas fechada numa ilha, encerrada pelo mar que ao mesmo tempo lhe oferece caminho de fuga eterna - uma linha de horizonte a perseguir até ao El Dorado. Seja ele Califórnia ou Europa, Brasil ou China. Pode até muito bem ser o País do Gelo, que será sempre melhor porquanto fora das ilhas.

Uma alma sofrida das intempéries do chão e do vento, do céu e das nuvens, e das profundezas do mar vizinho. Um mar que dá com uma onda e retira com outras tantas. Um sustento sofrido à laia de lágrimas que se diluem no sal das ondas do cais e à laia dos corpos que nelas se afundaram, longe da costa, sem possibilidade de regressar aos braços de quem por eles esperavam. Um sustento sofrido à laia da dor e da saudade, da presença e da ausência, da terra áspera e futuro incerto de tremores de terra e erupções vulcânicas.

Assim é a reinvenção sonora e ambiente deste álbum. Uma reinterpretação da tradição e costumes sonoros dos Açores, executados lado a lado com o digital global da computação e a electrónica manipulação sonora dos nossos dias.

Daquelas coisas boas.

Comentários

Mensagens populares