SABER FAZER SABER (AO RUI)



em 1992, mais precisamente entre os meses de março e julho, decorreu na ilha terceira uma formação destinada a jornalistas e membros da imprensa da região autónoma dos açores, ministrada por monitores e convidados do centro de formação de jornalistas da cidade do porto.

assim, durante cinco meses,

mais de uma dezena de profissionais e colaboradores dos jornais, das rádios e da televisão, encontraram-se regularmente, fora das horas de serviço, para aprender algo mais sobre esta coisa aparentemente tão fácil que é informar e comunicar.” (1).

como resultado prático desse curso de formação, foi publicado no jornal diário insular um suplemento intitulado saber fazer, fazer saber. nesse suplemento colaboraram nomes como rui rodrigues, victor alves, sérgio aguiar, ana barcelos, teresa ávila, rosa cardoso, aranda e silva, paulo valadão, constantino amaral, hélio vieira, joão rocha, hernâni cardoso, elmano nunes, armando mendes e paulo barcelos.

é precisamente ao último – e aqui está o meu agradecimento – que devo o conhecimento não só deste suplemento como do poema sem título de rui rodrigues, o qual motiva em primeiro motivo esta pequena crónica.

para além destes profissionais “dos jornais, das rádios e da televisão” também daniel macide colaborou com um texto e jorge monjardino, fotógrafo que ainda agora inaugurou o seu mais recente trabalho intitulado my light, no centro cultural e de congressos de angra do heroísmo, emprestou a fotografia que ilustra o poema de rui rodrigues na última página do suplemento.

e assim chegamos ao poema sem título de rui rodrigues que serve para ilustrar a fotografia de jorge monjardino

(ou precisamente o contrário

e que surge na última página do suplemento saber fazer, fazer saber que resultou da formação do cfj que decorreu em 1992.


escreve rui rodrigues:


                   São dias e dias assim. É uma vida. Entre a rocha e o mar.
                   São pedras de muitos saberes, de muitos gostos e
                   desgostos, assim alinhadas, atravessando os tempos
                   sob um céu baixo, que às vezes sufoca, sob um céu limpo,
                   por vezes tão limpo, tão incrivelmente azul.
                   São passos desta vida.
                   É um luto, uma aflição.


e quem é rui rodrigues?
é quem traçou o nome triste de teresa da seguinte forma:



Teresa nome triste

Há silvas e amoras
no teu olhar

pelos teus lábios passou já uma vindima
E há uma tristeza grande
abatida sobre o teu rosto

falas de coisas cansadas em voz baixa
como se o inverno não acabasse
e a miséria não tivesse fim

fico ao lado de ti sem saber
remando com cuidado por entre estrelas
para não dissipar a noite
e o mais breve sinal de alegria              (2)



quem também chorou e não teve medo de dizer que os meninos morrem dentro dos homens ou que há um coração menino em cada um de nós, homens, com meninos mortos dentro do nosso coração:




Coração Menino

Tenho
Um coração menino, um coração
pra chorar sozinho

Gastei o coração nestas pedras húmidas
e os olhos deixaram de ver o mar,
fecharam-se numa casa pra morrer

 Preciso um mergulho profundo
e prolongado, um lugar de ternura mãe
dentro da manhã

Um fio,
um cabelo
contra
o medo e a loucura                                  (2)

e traçou, assim, ao de leve, esta impressão de uma manhã supostamente muito açoriana:

Mui açoriana manhã

Ah esta mui açoriana manhã
De prata embaciada, à espera de chuva
Pequeno véu de azul no horizonte
               vela fugitiva

Respiro fundo
Que rumo dar às coisas desse dia
Que apenas promete agastamento? Os olhos
querem fechar-se à luz diluída
              e prematura
a vontade é dispensar o calendário

Ah esta mui açoriana manhã
Serra mecânica, operária
cortando o  ar, fanfarra militar (que dia
                     é este
           que contém alguma celebridade?)
ruídos todos embrulhados nesta película
deslavada, pastel sem brilho
à espera de chuva                                                (2)

qualquer um dos três poemas aqui reproduzidos, são-no com gentil referência ao blogue “douta melancolia”:  

e uma tentativa de plasmar em texto algo aproximado mas sempre incompleto, ao qual poderei regressar para actualizar:

esboço de biografia de rui duarte rodrigues


rui duarte gaspar rodrigues nasceu a 30 de setembro de 1951 em angra do heroísmo, cidade onde veio a falecer a 26 de março de 2004.

ainda no liceu, cedo se evidenciou pelas suas altas notas a letras, tendo também sido director do jornal “vida académica”, da agora escola secundária jerónimo emiliano de andrade, em angra do heroísmo.

em 1969, com apenas 18 anos de idade, publicou no suplemento do jornal “a união” uma colectânea de poemas intitulada “os meninos morrem dentro dos homens”.

pertenceu à “cooperativa sextante”.

em setembro de 1977, conjuntamente com um grupo de entusiastas do cinema, funda o cine-clube da ilha terceira, instituição de importante relevância cultural no pós-25-de-abril e até ao início da década de 90.

em 1978 inicia o seu trabalho como jornalista na delegação de angra do heroísmo da rdp/açores.

publicou o segundo e último livro em 1994, numa edição do instituto açoriano de cultura, intitulado “com segredos e silêncios”, uma coleção de 46 poemas.

de personalidade mais recolhida, rui duarte rodrigues desempenhou quer o papel de jornalista quer o papel de poeta com uma humildade e uma profunda dimensão do humano, tão características, primando pela discrição e pela simplicidade.

faleceu a 26 de março de 2004, a caminho da delegação da rdp/açores para mais uma reportagem, quando um súbito aperto de coração o deixou imobilizado no chão da rua de são pedro.


(1) Saber Fazer, Fazer Saber – suplemento do Diário Insular publicado 2 de janeiro de 1992, editorial.
(2) Rui Duarte Rodrigues, in “Com Segredos e Silêncios”, Colecção Ínsula, 1994.



rogério sousa

11.06.2017

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