MYRICA FAYA



na altura do povoamento dos açores, quando os milhafres não eram o que pareciam e as ilhas em menor número do que agora são, os homens e mulheres que cá aportaram deram conta da existência da faia-da-terra. uma pequena árvore

(de crescimento rápido

nativa da então futura definição de “macaronésia” que abundava e dominava os matos de baixa altitude, particularmente os instalados sobre terrenos bem drenados – vai daí que a palavra “faial” esteja bem presente nas nossas ilhas. ora no nome de ilha ora em nome de local, como “faial da terra”. 

portanto, “myrica faya” é “faia-da-terra” e isto é nosso. tal como o grupo que da planta pede emprestado o nome, e cujo primeiro álbum “vir´ó balho” viu a luz do dia há relativamente poucos meses atrás. um excelente trabalho musical, composto por temas do vasto espólio do cancioneiro açoriano, aos quais este grupo de cinco elementos 

(bruno, cláudio, emílio, pedro, ricardo

ousou aplicar uma nova roupagem sonora contemporânea. não pense quem lê que as músicas soam como as originais mas tocadas com outros instrumentos – que isto de replicar não é reinventar -, mas antes como se tivessem sido recuperadas do baú dos nossos avós, sacudidas do pó e dos excessos dos tempos, e vestidas de novo. é isto a que se propõem os myrica faya e é isto que fazem com uma qualidade musical e sonora invejáveis.

tal como outros projectos açorianos, que bebem nas raízes da sua existência o material para a sua criação, também os myrica faya se inspiram nas modas, nas letras, nas melodias das nossas criações ilhôas, transportando-as para um formato mais actual e popular, 

(daí “pop”, para os mais críticos

não deixando nunca de fazer jus à inspiração anímica do tema original nem à intenção lírica das palavras que o compõem. apresentam na imagem de capa do álbum um pormenor de uma manta de retalhos: apropriada, claro está, à lógica do universo musical que se propõem apresentar. 

são doze músicas que tocam neste disco. enumeradas assim parecem pequenas – charamba, bravos, olhos pretos, ladrão, lira, san macaio, sol, caracol, bela aurora, balho da povoação, saudade, cantiga de natal – mas não o são. muito pelo contrário: à já enorme essência de cada um destes temas,

(essência lírica, histórica 

os myrica faya adicionam uma grande dose de criatividade musical e destreza melódica que mais do que ser criticada por não ser semelhante ao original deverá ser exaltada pela capacidade de reinvenção. como o ouvir-se o “ora mais, ora mais” contínuo da tourada da ilha dos bravos, ou o som roufenho dos antigos microfones quando se canta “a ausência tem uma filha/que se chama saudade/e eu sustento mãe e filha/bem contra a minha vontade”, ou ainda os instrumentos menos usuais nestas composições – como trompete, trombone, saxofone alto, guitarra eléctrica, tuba, clarinete – ou ainda ainda, como acontece no “balho da povoação”, o excelente solo de guitarra eléctrica de 30 segundos do joão mendes 

(ou joãozinho dos altares

que eleva a já grande composição do balho da povoação a um nível até agora não experimentado nem concretizado. 

um trabalho muito bem conseguido, sustentado e coerente. venham mais, que aqui esperamos. 



rogério sousa
publicado no diário insular na rubrica morte da bezerra, a 12 de junho de 2014




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