MMXXI.25 - PRO-ANTI(IN)SUCESSO

 

na língua portuguesa, o processo de formação de palavras através do acrescento de afixos denomina-se derivação. podemos construir novas palavras derivadas por prefixação, sufixação, ou ambas, partindo de uma única raiz. por exemplo, à palavra “feliz” podemos acrescentar o prefixo “in”, dando “infeliz”, seu contrário, ou o sufixo “dade”, dando “felicidade”, seu estado, ou ainda, usar ambos prefixo e sufixo e chegarmos à palavra “infelicidade”.

prosucesso é uma palavra derivada por prefixação e foi o nome escolhido para designar um plano de acção do governo dos açores no âmbito da promoção do sucesso escolar, criado por vontade própria, mas também por recomendações gerais aos países, emanadas da união europeia, na sua “comunicação da comissão ao parlamento europeu”, em 2012, e por recomendações específicas a portugal, na sua “recomendação do conselho da união europeia”, de 2014.

chamou-se prosucesso – açores pela educação, mas poder-se-ia ter chamado outra coisa qualquer, como anti-insucesso. naquele caso, pretendeu-se valorizar e destacar o sentido positivo da “promoção do sucesso escolar” ao invés do contínuo “combate ao insucesso escolar”. por um lado, abandona-se a ideia de “combater” o que quer que seja, e por outro enaltece-se o que se pretende promover, neste caso o “sucesso”, porque há a pretensão de fomentar aquilo que se pretende por oposição ao combate àquilo que não se deseja. 

desde a sua criação que o prosucesso tem sido alvo de todo o tipo de ataque. ora porque foi o governo do ps que o criou e porque se é da oposição; ora porque se acha que é mais papelada e não precisamos de papelada; ora porque se acha que é mais do mesmo e se está farto de nomes pomposos de coisas imateriais; ora porque se está farto de planos da secretaria, ao invés dos planos das escolas, ao invés dos planos dos professores; enfim, isto do criticar o prosucesso é só retirar uma senha e escolher um argumento. há-os de todas as cores e feitios.

pese embora a narrativa negativista, a verdade é que o prosucesso tem permitido o desenvolvimento de uma estratégia concertada de promoção do sucesso escolar e de combate aos indicadores de insucesso escolar que grassam nas nossas escolas, e isso é algo que não pode ser negado. não é um plano perfeito, longe disso, mas nunca o pretendeu ser. e mais do que o terminar, há que afinar o que de menos bem possa estar a acontecer.

também há que ter em conta o percurso percorrido até aos nossos dias, nos múltiplos e complexos prismas de análise de um conceito tão abrangente e transversal como o da “educação”, e não deitar a toalha ao chão à mínima contrariedade ou atirar foguetes ao ar à mais pequena mostra de melhoria. mas para isso é preciso métrica e aferição séria.

há dois artigos atrás tive oportunidade de considerar precisamente sobre esta nossa tendência de querermos o sol na eira e a chuva no nabal, no que concerne à educação. este “pro-anti-in-sucesso” acompanha a argumentação, porquanto, para além da matéria de opinião e de feeling que cada um de nós possa ter relativamente ao plano, a verdade é que até agora existem apenas dois relatórios sobre o sucesso do prosucesso, e, como o mundo é profícuo na sua indefinição, nada como duas visões diferentes para animar o debate. 

por um lado, temos o relatório da comissão de avaliação externa da universidade dos açores, datado de outubro de 2021, encomendado e pago pela direcção regional da educação, que diz que o prosucesso falhou nos seus objectivos; por outro lado, temos o relatório da auditoria do tribunal de contas, datado de novembro de 2021, não encomendado nem pago pela direcção regional da educação, que afirma que o prosucesso não só atingiu os seus objectivos, como atingiu alguns mais cedo do que o esperado. 

de um lado, os gregos reclamam vitória, do outro, são os troianos que a reclamam. sabemos bem que não é possível nem agradar a ambos, nem agradar a uns sem que os outros reclamem por isso. uma vez que o actual governo sempre foi um grande defensor dos relatórios e auditorias do tribunal de contas, que reputavam de idóneo, tendo a acreditar mais neste relatório.

até porque tenho algumas questões com o outro relatório. a começar pela comissão, que é composta por apenas quatro professores do departamento de matemática da universidade dos açores – ninguém do departamento de ciências de educação –, e pelo modelo de análise dos dados utilizado, que nunca tinha sido testado na área da educação e carece de validação científica.

a comissão de avaliação externa produz um relatório sem cumprir o seu plano de trabalho, assumindo que o trabalho foi feito “contra-relógio” e sem todos os dados necessários, e fá-lo sem nunca auscultar o conselho científico do prosucesso, a comissão permanente do ensino público, o conselho coordenador do sistema educativo, ou até a inspecção regional da educação. 

a comissão de avaliação externa definiu sete pressupostos para a realização do relatório. desses sete, três não foram cumpridos. mas as conclusões são publicadas de qualquer forma. e as conclusões referem que num universo total de cerca de 5.000 docentes a leccionarem nas escolas dos açores, todos eles sob a égide do prosucesso, apenas 500 responderam ao inquérito da comissão de avaliação externa. um décimo.

como docente, fiz parte dos restantes nove décimos e não preenchi o inquérito da comissão de avaliação externa ao prosucesso. e não preenchi porquê? porque a própria mensagem avisava que esse preenchimento estava dividido em três partes (três módulos) “levando cada uma a ser preenchida na sua totalidade um tempo estimado entre 60 a 90 minutos” (sic). 

inicialmente até pensei que tinha lido mal, mas não. três módulos, entre 60 a 90 minutos cada um, perfaz, numa estimativa optimista, três horas no total, numa estimativa mais realista, cerca de quatro horas e meia. isso mesmo! na pior das hipóteses, quatro horas e meia a preencher um questionário.

uma pessoa não vê filmes com duração superior a duas horas para não ficar de boca à banda a babar-se no sofá, e vai perder quatro horas e meia a preencher um questionário? está bom. 

espero sinceramente que o prosucesso continue em vigor, como estratégia de resposta às recomendações e às necessidades do nosso quotidiano, e penso que o relatório do tribunal de contas vem validar a estratégia e os bons resultados que a comissão externa quis ignorar. é que isto de andar a falar mal dos outros tem o seu reverso da medalha quando os outros somos nós, e às vezes é mais prudente assumir a impreparação ou o erro do que insistir numa narrativa falhada. perdemos todos, em conjunto, e perdem os nossos alunos, em última análise.

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