MMXXI.8 Σωκράτης
em grego, σωκράτης é o nome próprio sócrates. mais comummente associado ao filósofo nascido nas planícies do monte licabeto, perto de atenas, durante o período clássico da grécia antiga, filho de sofronisco, escultor de profissão, e fainarete, parteira. foi responsável, não só mas também, pelo “método socrático”, mas não deixou nada escrito. a sua filosofia chegou-nos pela pena dos seus discípulos, platão e xenofonte e vem do relato do primeiro o célebre “só sei que nada sei”, que lhe é famosamente atribuído.
sócrates impactou a filosofia de uma forma tal que se consideram pré-socráticos os filósofos que o precederam.
em português, sócrates designa o segundo nome de josé, juntamente com o carvalho, o pinto, e o de sousa, nascido no porto mas crescido na covilhã, durante o período contemporâneo de portugal moderno. foi primeiro-ministro do país de 2005 a 2011, comentador televisivo por algum tempo, e depois detido no aeroporto da portela, a 22 de novembro de 2014, por suspeitas de corrupção, evasão fiscal e branqueamento de capitais, no âmbito da operação marquês.
no passado dia 9 de abril de 2021, o mundo conheceu a decisão instrutória dessa operação, pela voz do juiz ivo rosa e pelas televisões que a seguiram e transmitiram em directo. nesse dia, ficámos a saber que sócrates, o português, vai mesmo a julgamento por 6 crimes: 3 de branqueamento e 3 de falsificação de documentos. também o grego foi a julgamento, mas por apenas 3 crimes: “não acreditar nos costumes e nos deuses gregos”, “unir-se a deuses malignos que gostam de destruir as cidades” e “corromper jovens com as suas ideias”. foi julgado e condenado à morte.
apesar de todas as questões técnicas, e da argumentação de que um acórdão da relação não é uma sentença; apesar de se saber que ainda há muito para acontecer, e da questão das várias prescrições; e, estiquemos, ainda para lá das sempiternas questões levantadas pelas diferenças nas interpretações de ministério público e juiz-durão, a verdade é que o tribunal central de instrução criminal encontrou fortes indícios para levar josé sócrates a julgamento.
7 anos depois da detenção mediática, depois do julgamento em praça pública, das escutas e demais informações vazadas do segredo de justiça para os ecrãs das estações televisivas que as quiseram divulgar, a decisão do tribunal central da instrução criminal caiu “que nem uma bomba”, “arrasando ponto por ponto a argumentação do ministério público” e não deixando “pedra sobre pedra” naquela que foi considerada uma lavagem de roupa suja pública nos tribunais portugueses. isto, a julgar pelas letras gordas dos jornais e telejornais posteriores à leitura do acórdão. dos 189 crimes de acusação do ministério público, ivo rosa deixou cair 172.
apesar do sentimento generalizado de estupefacção e indignação, o que interessa, acima de tudo, é que tenhamos todos a noção de que a justiça está a funcionar. mais ou menos bem, mais ou menos orientada com as nossas próprias expectativas, o certo é que existem provas suficientes para levar o ex-primeiro-ministro a tribunal. quiçá condená-lo, sendo certo que, a fazer fé no juiz-durão que não aceita bem provas indirectas, esta decisão está bem fundamentada para se aguentar em julgamento.
há que rejeitar esta posição conservadora da admissibilidade da prova indirecta defendida por ivo rosa, em choque com o entendimento do ministério público e do procurador rosário teixeira, semelhante à posição do tribunal constitucional, que tem rejeitado propostas legislativas para criminalizar o enriquecimento ilícito.
o trabalho deve ser feito no sentido alterar a lei para tornar mais ágil e eficaz a prova indirecta para este tipo de crimes – de certa forma ainda recentes, com uma dinâmica mais veloz que a da justiça, mas frequentes e recorrentes. e o combate à corrupção, da qual o enriquecimento ilícito é parte, passa por quadros legislativos adaptados à realidade da criminalidade digital.
tal como numa tempestade que assola uma casa de portas e janelas abertas, há que arrumar os detritos e preparar para impedir novas tempestades. isto far-se-á em diversos campos de acção, a começar por uma melhor adequação da justiça e dos seus mecanismos à intervenção em casos de suspeita de corrupção e demais crimes associados. a conversa da “prescrição” e da “frágil” prova indirecta não pode ser a razão que legitimou o juiz ivo rosa a fazer tabula rasa de 7 anos de trabalho do ministério público.
apesar de não ser um trânsito em julgado de sentença, a verdade é que o juiz ivo rosa declarou que sócrates mercadejou o seu mandato de primeiro-ministro eleito pelo povo em benefício próprio. foi corrompido, segundo a instrução, pelo seu amigo carlos santos silva; foi corrupto, segundo o ministério público, por si próprio.
independentemente da origem da corrupção, josé sócrates foi primeiro-ministro de portugal e mercadejou esse lugar em troca de dinheiro. isto não pode voltar a acontecer. se exigimos políticos acima de qualquer suspeita, se precisamos de modelos políticos que inspirem os cidadãos e os galvanize para a participação pública e cívica, não podemos normalizar o enriquecimento ilícito nem compactuar com a corrupção, seja activa ou passiva, promotora ou receptora, móbil ou intermediária.
como socialista militante, acredito que há lições que se devem tirar desta situação, sendo certo que, se nestes últimos 7 anos imperou o silêncio por decurso normal da investigação, neste momento há necessidade de se abordar este assunto. interna e externamente. política e socialmente, porque a questão da corrupção não se limita, infelizmente, aos partidos.
de qualquer das formas, não pode o partido socialista ser bode expiatório nem se afogar em vergonha – até porque em todos os cestos de fruta há as podres, e todos os partidos têm os seus cestos. o trabalho é reconhecer o podre, retirar do cesto, e lutar por um cesto são, sob pena de se continuar a alimentar esta ideia de que os políticos são todos corruptos e todos iguais.
sócrates impactou a política de uma forma tal que espero haver uma época pós-sócrates no combate à corrupção em portugal.
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