MMXXI.13 - A HIPOCRISIA DO PADRE

 

a hipocrisia pode ser definida como a pretensão ou o fingimento de se parecer ser o que não se é, manifestando-se quando uma pessoa finge ter crenças, virtudes, ou ideias, que na verdade não possui e nas quais não acredita, muitas das vezes exigindo dos outros comportamentos e padrões morais que a própria pessoa não adopta. 

derivado do grego tardio, o termo hupokrisis (hipocrisia) significava “encenação” ou “interpretação”, e era genericamente utilizado para designar qualquer tipologia de performance pública. ao contrário do mimos – uma reprodução caricaturada de uma personagem em palco, considerada de inferior qualidade –, o hupokrités (hipócrita) requeria por parte do actor uma extraordinária capacidade em assumir a personalidade da personagem com naturalidade, o que exigia uma abertura psicológica mais complexa que a mera imitação do mimos, sendo, portanto, considerada de superior qualidade.

por outras palavras, o hupokrités era o verdadeiro actor dos nossos dias, aquele que conseguia representar uma personagem em palco como se a vivesse na realidade, reproduzindo-lhe as falas e os jeitos, num verosímil engano e mestria, com o objectivo máximo de levar o público a confundir actor e personagem numa mesma pessoa.

por isso, o papel dos hupokrités era desaconselhado a figuras públicas, uma vez que podia fazer duvidar da veracidade dos compromissos assumidos, minando a confiança dos cidadãos na palavra dos políticos. conta-se que em atenas, por volta do século iv a.c., o grande orador demóstenes ridicularizou o seu rival ésquines por ter sido um bem-sucedido hupokrités, antes de ingressar na política.

há quem defenda que esta circunstância, juntamente com o desprezo que os romanos sentiam pelas artes de palco, como atesta frank tenney no seu the status of actors at rome, contribuíram fortemente para a estigmatização do termo hipócrita, trazendo-o para os significados pejorativos dos nossos dias.

por cá, nos açores, o actual director regional da cultura dos açores é um padre hipócrita. padre por profissão, hipócrita pela acção, o director regional da cultura não inspira confiança nem integridade, age qual invertebrado, sem espinha nem palavra, e por sua culpa, sua tão grande culpa, diz uma coisa e faz outra sua antagónica. aparenta ter ideais mas vende-os, qual judas, em troca de uns sorrisos e uma falsa sensação de aceitação. 

em 2017, relativamente à realização de uma tourada durante as festas do senhor bom jesus dos aflitos, em são miguel, o então pároco dos fenais da luz manifestou a sua posição numa missiva na qual afirmava: “enquanto eu for pároco, não haverá lugar para violência contra animais, nem touradas nem bezerradas. porque, enquanto houver maus-tratos contra animais, haverá sempre violência contra as pessoas (…) a tourada é uma prática sádica, na qual as pessoas se divertem à custa do medo e do pânico do toiro, além de ser uma actividade bárbara, anti-civilizacional e dispendiosa, que queima verbas que podiam muito bem ser canalizadas para uma acção social ou até para o restauro da igreja.”

retenhamos: maus-tratos, violência, prática sádica, actividade bárbara, anti-civilizacional, dispendiosa. tudo bons termos e adjectivos utilizados pelo padre para descrever a tradição taurina, tão fortemente enraizada na nossa cultura terceirense e presente no restante arquipélago, como era o caso de são miguel.

em junho de 2021, o mesmo padre, agora director regional da cultura, em dupla com outro padre que dizem ser especialista em cultura e música, consolou-se numa ferra taurina, comendo, bebendo e confraternizando com os seus irmãos terceirenses. ao que parece, gostou tanto do espectáculo bárbaro e da cultura anti-civilizacional taurina que se predispôs a dar o corpo ao manifesto e ser ele próprio a executar os maus-tratos de ferrar o animal.

que gloriosa imagem: um ferro em brasa, pressionado contra a pele do animal, com fumo de queimadura e cheiro a pêlo chamuscado, na mão do douto director regional da cultura, de sorriso rasgado e sem máscara, para nos relembrar que as nossas convicções, os ideais por que nos batemos, as nossas crenças e as nossas fés que defendemos e praticamos valem de muito pouco, ou quase nada, quando se veste a roupagem dos hipócritas.

o padre é, no fundo, e de acordo com as suas próprias palavras, uma pessoa sádica, promotora dos maus-tratos sobre os animais e da violência sobre as pessoas, que se revela um hipócrita bárbaro anticivilizacional em toda a sua glória e esplendor para quem quiser ver.

uma pessoa que é outra pessoa ao mesmo tempo. uma dupla encenação entre o “dizer” e o “fazer” que nos relembra os bons ensinamentos do frei tomás e que nos traz ao pensamento as sábias palavras de rochefoucauld, quando afirmou que a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude.

aleivoso, desleal, dissimulado, falso, farsante, fingido, pérfido, proditório, púnico, traiçoeiro, tredo, vulpino, são vários adjectivos, ordenados alfabeticamente e direitinhos, para serem lidos de enfiada. 

com maior ou menor abrangência ou profundidade na definição do termo, são todos eles sinónimos de hipócrita, para adjectivar este comportamento. escolham o vosso, que eu já escolhi o meu.

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