MMXXI.14 - O DEPUTADO ANTI-SISTEMA

 

sou anti-sistema porque não acredito nos políticos. para mim, os políticos são todos iguais, são todos corruptos e cobrem-se todos com a mesma manta. não escapa um, esses malandros que só querem o voto das pessoas para encherem o pandulho às contas do zé povinho, fazerem o que querem à grande e à francesa, e não darem cavaco a ninguém.

não acredito no sistema nem acredito no voto. por isso não votei e não vou votar. para quê? para ficar tudo na mesma? para mudar um ou outro nome mas o resultado ser sempre o mesmo? prometem mudanças, curas milagrosas, dizem que com eles as coisas vão ser diferentes, mas a verdade é que fica tudo igual. e querem que eu vote nos mesmos? 

não. não este filho de sua mãe, que se sente e é de boa gente: português de gema, filho da linhagem que une os verdadeiros portugueses, aqueles que descendem de dom afonso henriques. não são esses monhés nem esses mestiços emprestados e empestados que infestam as nossas ruas, que roubam os empregos que a gente portuguesa de bem não quer e que trazem com um ar de refugiados coitadinhos a agressiva cartilha dos infiéis. 

sim. uma das razões do nosso país estar desta maneira – seja lá o que “desta maneira” for – é precisamente essa horda de malfeitores, que se aproveita da boa vontade dos portugueses de bem para continuar a instalar o seu parasitismo social. só me vem à mente a descrição que adolfo faz do verme judeu no abcesso do paciente, no seu inspirador mein kampf, e que tão bem se aplica a esses intrusos que já se tornaram uma praga. 

e todos nós sabemos o que se tem de fazer às pragas: cortar o mal pela raiz. não pode ser uma panaceia ou mero tratamento, que só servem para encher os bolsos das farmacêuticas, emagrecer os cofres do estado e subsidiar os parasitas do parlamento e da alra. na minha opinião anti-sistema, essa cura, esse milagre de que todos precisamos tem de ser aplicado sem medos nem hesitações.

há que “agarrar o toiro pelos cornos”, como diz o povo, e lutar para que portugal volte à glória daquilo que já foi. sim, porque nós já fomos grandiosos – filhos de uma nação escolhida por deus e à beira-mar plantada, carregando na alma o desígnio de dar novos mundos ao mundo e erguer o quinto império pelo homem sonhado. 

para voltarmos a ser grandiosos é preciso voltarmos às origens, apelar a todos os portugueses de bem, do continente às ilhas, tornando portugal na nação que o estado novo idealizou sob a égide daquele grande senhor que acabou por ser esquecido e vilipendiado pela esquerda corrupta que governa o nosso país.

é por isso, meus amigos e minhas amigas, exactamente porque sou anti-sistema, que vou criar um partido do sistema, submetê-lo a votos e tentar conquistar lugares no parlamento para dizer lá o que mais ninguém diz. é preciso deixarmos cair os discursos polidos, a boa educação e a retórica parlamentares, e abanar as consciências com berros, murros e ameaças. 

tal qual aquele herói, o john doe, do filme sete pecados mortais, que diz a dada altura que “hoje em dia, para conseguirmos a atenção das pessoas, já não basta tocar-lhes ao de leve no ombro. é necessário dar-lhes na cabeça com um martelo”. 

é preciso apelar à indignação das pessoas, galvanizar o sentimento anti-sistema para que votem no partido anti-sistema do sistema. é preciso munir as pessoas dos seus martelos para que possam rachar a meio a cabeça do sistema. e isto, meus amigos, faz-se com um discurso radical.

apresentar um programa eleitoral ao sistema mas contra o sistema, cativar os votos daqueles que não acreditam no voto nem acreditam no sistema, e, se for preciso, reescrever o programa depois das eleições e decidir aquilo que quero fazer, precisamente porque sou anti-sistema e comigo as coisas não se fazem como sempre se fizeram. 

o meu objectivo, minhas amigas e meus amigos, é tornar-me na terceira força mais votada no sistema, com um discurso anti-sistema para derrubar o sistema. só assim, só quando for um terceiro poder, instituído no seio do sistema, é que poderei aplicar a cura para os males dos portugueses que são anti-sistema como eu. 

a cura só poderá ser uma: dar voz a quem não quer falar e dizer aquilo que ninguém quer ouvir. um discurso radical que atenda às vontades vingativas dos que se recusam a levantar o rabo da cadeira uma vez de quatro em quatro anos para votar, e que apele aos portugueses de boa linhagem e de boa religião, que precisam de ser ouvidos e atendidos. 

isto tudo, claro está, se não houver discordâncias, dissidências ou desobediências no seio do meu partido anti-sistema. é preciso uma unidade unívoca, em torno de mim, o líder, do qual tudo emana e para o qual tudo se constrói, servo de deus escolhido num sonho para levar portugal à glória do passado. a dissidência é um desrespeito, a discordância uma instigação à democracia e a desobediência punida com retirada de confiança.

é por tudo isto que serei um deputado do sistema num partido anti-sistema. e não há nada de errado nisso.

em caso de disputa, torno-me num independente do sistema. 

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