mmxxi.4 - notícias falsas
esta globalidade digital e individualizada em que vivemos trouxe consigo uma complexa realidade, para a qual não estávamos preparados. são as notícias falsas, o insulto gratuito, a desinformação, os gostos, os desgostos, a dependência do feedback como alimento das autoestimas dos utilizadores, e muitos outros aspectos que não cabem no espaço destes parágrafos.
que a internet em geral, e as redes sociais em particular, não é garante da privacidade do utilizador já todos nós o sabíamos. e fomo-lo sabendo com maior consciência até à necessidade do regulamento geral de protecção de dados, instrumento desenhado e implementado pelas instâncias europeias, faz três anos este 25 de Maio, que provocou uma pequena pausa no comércio desregulado de dados pessoais dos utilizadores.
que a internet em geral, e as redes sociais em particular, é um efectivo móbil de mudança política, soubemo-lo com a mobilização massiva do “yes we can” de barack obama, que o elegeu presidente dos estados unidos da américa, e voltámos a sabê-lo aquando da primavera árabe, onde as redes sociais desempenharam um papel fundamental não só na mobilização como na disseminação para o restante mundo do que estava a acontecer no norte de áfrica.
a novidade para a qual não estávamos preparados é a de que os dados privados de milhões de pessoas, incluído os seus hábitos sociais, interesses e preferências pessoais, pudessem ser trabalhados por complexos algoritmos de caracterização de perfis e inteligência artificial, no sentido de manipularem a opinião pública dos utilizadores e, em última instância, alterar efectivamente o rumo de eleições nacionais.
foi o que aconteceu nos estados unidos da américa com a eleição de trump, e foi também parte do processo de votação do brexit, parte do processo de eleição de boris johnson, no reino unido, de bolsonaro, no brasil, e foi o fenómeno que permitiu os fortes resultados de marine le pen nas últimas presidenciais em frança.
isso é conseguido através de campanhas massivas de desinformação, com partilha de notícias falsas nos perfis pretendidos, os quais, por ser essa desinformação informação que lhes interessa, partilham ad infinitum nas suas próprias redes de amizades. essas partilhas atraem algoritmicamente novas notícias falsas, também elas partilhadas à exaustão, e criam uma espécie de bolha de desinformação que é ao mesmo tempo um íman de novas falsas notícias.
se por um lado a personalização permite aos utilizadores receberem apenas os conteúdos que lhes interessam, seleccionando assim os importantes dos irrelevantes, o certo é que no que diz respeito à desinformação e manipulação de tendências eleitorais o mecanismo revela-se pernicioso e potenciador de uma bola de neve desinformadora.
não quer isto dizer, de todo, que as pessoas são mais ignorantes e acreditam mais facilmente em teorias da conspiração. quer dizer, sim, que a contínua exposição a notícias falsas que atraem outras falsas notícias torna mais fácil a partilha desinformada, o que resulta, mais cedo ou mais tarde, numa mudança de opinião em prol da desinformação recolhida.
é a velha máxima da água mole em pedra dura – sendo aqui a água mole a desinformação e a pedra dura as convicções dos utilizadores. o filósofo francês edgar morin alertava para o facto de o século xxi ser o século da competência e não do conteúdo, e que o desafio das novas gerações será não o acesso e a acumulação de informação, mas sim a capacidade de se seleccionar a informação relevante no meio do lixo.
diariamente bombardeados com uma avassaladora quantidade de informação, é natural que os utilizadores acabem por partilhar e disseminar conteúdos falsos. ora de propósito, por acção própria; ora inadvertidamente, por falta de confirmação; ora ainda por omissão, no silêncio e indiferença em face desta realidade.
mais do que apontar à fonte e tentar neutralizá-la, as nossas armas devem estar apontadas aos utilizadores finais e à sua capacidade de descartar o falso e o acessório, focando-se apenas no verdadeiro/essencial dos conteúdos que partilham.
a dada altura do episódio quatro da saga star wars, pergunta obi-wan-kenobi qualquer coisa como “quem é o mais tolo? o tolo? ou o tolo que o segue?” apesar de não existir uma resposta certa à pergunta, fica no ar a ideia de que um tolo sem seguidores será sempre um tolo, mas um tolo com seguidores já poderá ser um líder.
e líderes desses devemos dispensar.
a todo o custo.
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