MMXXI.15 - FALTA DE HUMANIDADE POLÍTICA
a ideia de “humanidade política” que dá título a este artigo não tem que ver nem com o conjunto de seres humanos que estão em desempenho de cargos políticos, nem com a natureza humana dos que estão na política. antes, a expressão “humanidade política” deve aqui ser entendida como a capacidade dos humanos que estão na política em expressar sentimentos benévolos e solidários para com outros.
por outras palavras, “falta de humanidade política” é a incapacidade que alguns políticos revelam em sentir empatia, compreensão e solidariedade para com os demais humanos, vulgo povo, que não se encontram em desempenho de cargos políticos. não se trata, claro está, daqueles para quem o desempenho destes cargos é uma missão, mas antes daqueles que, por desempenharem cargos políticos, se sentem diferentes dos que não os desempenham.
eduardo cabrita, o ministro da administração interna do governo da república, configura um exemplo paradigmático de um político com uma gritante falta de humanidade política e uma estrondosa capacidade de provocar incómodo alheio. ao chutar para canto e fazer ouvidos moucos a todas as vozes que manifestaram desagrado pela forma como o ministro tem lidado com a mais recente polémica do acidente de viação do seu carro oficial, cabrita mostra ser insensível e pouco humano para com o seu semelhante.
é certo que este acidente não deve ser usado como caso político, propenso ao arremesso de argumentos em troca de dividendos, particularmente numa altura pré-eleitoral. é também certo que o ministro não deverá ser visto como o culpado, uma vez que não ia ao volante do veículo, nem tão pouco se devem vaticinar resultados prévios à investigação que decorre; mas também é certo que eduardo cabrita soma polémicas ao seu currículo e segue, e isso, quer queiramos quer não, não tem só que ver com o tipo de pastas da sua competência mas também com a competência que revela na gestão das suas pastas.
e é aqui que reside a sua falta de humanidade política. pese embora seja ministro, uma figura do estado, com protocolos, pese embora, ainda, a investigação que decorre, com reservas, não teria vindo mal ao mundo se eduardo cabrita, o homem, humano, solidário e empático, tivesse uma humanidade política mais vivente, mais próxima do povo que elegeu o governo que o mantém, e tivesse tratasse este caso com mais compaixão.
morrem dois bombeiros no combate a um incêndio e o presidente da república corre a espalhar afectos e humanidade, mas o carro onde segue o ministro atropela um trabalhador numa estrada e o ministro fica quedo e calado? mesmo depois de o presidente da república o ter admoestado em público e, diz o povo, dado um puxão de orelhas em frente às câmaras, eduardo cabrita esconde-se em silêncio atrás do segredo de justiça e da investigação que decorre?
é lamentável. evitável e reprovável. é certo que a sua presença no funeral poderia ser incómoda para alguns, mas revelava coragem e respeito humano; é certo que um governante não pode ir a todos os sítios, mas enviava um representante em seu lugar, para marcar presença; é certo, ainda, que o ministro enviou uma carta de condolências à família, mas podia ter-se deslocado presencialmente, cara a cara, junto de quem em luto luta contra a dor, e dizer presente.
muitas vezes, a presença do político não resolve o problema. muitas vezes, o problema não tem solução. tal como a morte, acontece e pronto. nada mais a fazer que chorar sobre a vida derramada e a pessoa desaparecida, lamentar o infortúnio, consolar e ter o ombro disponível para a dor humana do seu semelhante.
é isto que se espera de um político: compreensão, empatia, humanidade. antes do cargo, está o homem (ou mulher, é igual) que o desempenha. antes de qualquer responsabilidade política está o ser humano, de quem se espera vocação, empenho e dedicação à causa pública, mas nunca, nunca esquecendo de onde se vem, onde se está e para onde se vai. hoje meu, amanhã teu, diz o povo, sabiamente observando a chegada e a partida de tantos nomeados nesta ainda curta viagem da democracia em portugal.
infelizmente, eduardo cabrita tem revelado por diversas ocasiões ser um ministro distante, pouco dado às minudências do povo e das suas necessidades, com uma certa sobranceria quando contempla estas questões dos humanos que não estão na política. sempre que o vejo, lembro-me da publicidade da marca de t-shirts “no fear”, da década de 90, cujo mote era doesn’t play well with others.
à nossa escala, tome-se o exemplo de tato borges, do qual me abstenho de fazer trocadilhos com o c do primeiro nome porque já muitos o fizeram antes de mim. em contexto de debate num programa televisivo, soltou uma gargalhada a la berardo quando intervinha um convidado, vindo mais tarde pedir desculpa pela sua atitude; depois, numa publicação numa rede social, entendida como de censura perante o açoriano oriental, obrigou o presidente ausente a sair de santana, se calhar fazendo cancelar mais uma das suas aparições partidárias, para vir assegurar o jornal de que estava tudo bem; e, no meio de uma crise de saúde pública, tira férias por duas vezes, mas nunca nos abandonando porquanto foi aparecendo na tv nacional como comentador televisivo.
vem-me à memória plutarco, n’as vidas paralelas, com aquela tão célebre expressão, e tão cara a alguns membros do actual governo, que diz que “à mulher de césar não basta ser honesta, deve parecê-lo”.
que é como quem diz, não basta parecer que nos preocupamos, temos de nos preocupar mesmo.
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