MMXXI.17 - O WOODSTOCK AÇORIANO 76/77
foi há 45 anos.
à passagem das 22h00 do dia 10 de julho de 2021, os relógios marcaram 45 anos sobre a realização da primeira edição do festival musical açores, que decorreu na cidade da praia da vitória. foi um evento único, precursor de vários outros festivais nos açores, e que mais tarde ficou na memória das gentes como o festival da riviera.
o primeiro festival de verão realizado em portugal depois do 25 de abril de 1974 chama-se musical açores e foi realizado na cidade da praia da vitória, ilha terceira, açores. antes dele, apenas uma primeira edição do festival vilar de mouros e depois dele, aquela que seria a segunda edição do mesmo festival, seis anos depois, em 1982.
para muitos – participantes, presentes e fugazes espectadores distantes – o musical açores foi o woodstock português, realizado no meio do atlântico, uma espécie de farol da liberdade conquistada e um prenúncio de um futuro promissor. em duas edições, o evento juntou dezenas de bandas locais e regionais, algumas bandas nacionais e internacionais, e dezena de milhar de pessoas sem arredarem pé da praia da riviera, acampando e dormindo ao relento com mantas, para viverem dias de rock, amor, amizade e recordações.
o musical açores foi realizado nos dias 10 e 11 de julho de 1976, na sua primeira edição, e 13 e 14 de agosto de 1977, na sua segunda edição. uma ideia maluca atirada ao ar numa conversa entre amigos concretizou-se num evento inesquecível, fruto das condições sócio-culturais de uma cidade com o atlântico à porta de casa e uma base americana no quintal, resposta natural e empreendedora da juventude praiense que acabava de conhecer a liberdade e a autonomia.
treze dias após as primeiras eleições para a assembleia legislativa regional dos açores; duas semanas depois de, pela primeira vez, os açorianos elegerem os seus legítimos representantes democráticos, um grupo de amigos, liderado por carlos costa, carlos parreira e luís dores, sem qualquer experiência de organização de eventos, pôs de pé um festival de rock.
não deixa de ser significativo que a primeira manifestação cultural pós-primeiras-eleições-regionais tenha sido um festival de música. uma explosão de liberdade, de igualdade, de fraternidade entre os espectadores, semelhante – disseram muitos – ao espírito que inspirou o verdadeiro woodstock e que perpassou todas as ilhas dos açores, uma onda-choque da revolução dos cravos, com especial impacto na ilha terceira, mercê da base americana das lajes, foco de contemporaneidade e modernidade paredes-meias com o tradicionalismo ilhéu.
na sua primeira edição, o musical açores apresentou na riviera uma súmula de artistas regionais. “os bárbaros”, “os mini-bárbaros”, “os mini-sombras”, os “pop-five”, os “reiart’s”, a “sunshine band”, os “açor” e o carlos medeiros, da ilha terceira; os “blackstones”, da base americana; os “phoenix", de são miguel; o josé berto, da graciosa; os “pedras negras”, do pico, todos eles subiram ao palco em 1976.
o sucesso da primeira edição foi tal que no ano seguinte subiam ao palco os lisboetas “aranha”, os “beatnicks”, da lena d’água, e o “duo licínio e moreno”; os “atlantys”, de massachusetts; “os bárbaros”, “os mini-bárbaros”, os “paralelo 4”, o carlos medeiros, da terceira; os “peace on the rock”, os “red box”; e os “red sun”, de são miguel. a banda “cairo”, muito conhecida na altura e prevista para actuar, por razões alheias à organização, acabou por não subir ao palco.
a segunda edição do musical açores foi ainda mais bem sucedida do que a primeira, em parte também devido à repercussão mediática que teve a vinda de jornalistas nacionais para acompanhar o evento. a aposta estratégica da organização na promoção e comunicação do festival deixou para os anais da história peças como a deliciosa reportagem “diário rockambolesco de um festival”, da helena vaz da silva, publicada no expresso, e a extensa reportagem “discorrendo... música nos açores” da revista tele semana, que nos dá uma visão muito completa do festival.
tudo isto contribuiu para o sucesso desta iniciativa, que não teve seguimento por abrupto corte de apoio do governo regional e entidades oficiais, à data mais conservadores e desconfiados daqueles ideais avermelhados que ameaçavam do leste. as raparigas em topless, as músicas aos “altos berros”, os cheiros estranhos dos cigarros enrolados dos espectadores, a liberdade, a celebração da música e da vida, acabaram por ditar o fim do musical açores.
como os próprios organizadores admitem, ninguém esperava o êxito daquela ideia maluca. é certo que organização passou por muitos e tumultuosos momentos, alguns derivados do azar, outros da inexperiência, alguns da inexistência de equipamentos. mas no fim de contas, o musical açores foi um estrondoso sucesso que provocou engarrafamentos, ajuntamentos, e muitos outros momentos que ficaram na memória de quem os viveu, tudo ao som de bom rock.
a associação cultural burra de milho mantém online o projecto www.musicalacores.com com informação diversa sobre as duas edições do festival da riviera da praia. em contínua actualização, são bem-vindas as contribuições que permitam completar a informação já disponível.
a nossa identidade colectiva vive destas memórias.
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