MMXXI.16 - O ELEFANTE NA SALA DOS OLÍMPICOS
no dia 2 de agosto deste ano, a neozelandesa laurel hubbard fez história ao ser a primeira atleta transgénero feminina a competir nos jogos olímpicos, em tóquio, na categoria de levantamento de peso feminino. a polémica instalou-se aquando da sua qualificação, reforçando o debate sobre se é justo permitir que mulheres transgénero compitam lado a lado contra mulheres biológicas.
nascida homem, laurel competiu em categorias masculinas de levantamento de peso, ganhando alguns prémios ao longo da sua carreira. chegou a ser detentor do recorde neozelandês de levantamento de peso, levantando um total de 300kg em competições nacionais masculinas. em 2001, com apenas 23 anos de idade, hubbard anunciou o fim da sua carreira de levantador de peso e afastou-se das competições durante 15 anos. em 2017, anunciou o seu regresso à modalidade, desta vez como levantadora de peso e, quatro anos depois, com 43 anos de idade, foi seleccionada para os jogos olímpicos de tóquio.
os argumentos pró e contra hubbard são diversos, muitos carecendo de suporte científico sustentado, discutindo-se mais na esfera do empirismo e na percepção individual de cada comentador do que na esfera da ciência. seja como for, o certo é que laurel ficará na história por ter sido a primeira e por, de uma certa forma, se ter transformado no elefante na loja de porcelana dos olímpicos.
as regras do comité permitem que atletas transgénero participem nos jogos olímpicos. os atletas que transitaram de masculino para feminino podem competir nos desportos femininos, sem ser obrigatória a cirurgia de mudança de sexo, desde que declarem ser femininos por um período mínimo de quatro anos e mantenham o seu nível de testosterona abaixo dos 10 nano moles por litro (nmol/l) durante pelo menos 12 meses.
10 nmol/l é uma marca de “peso”. um homem tem em média entre 10 a 30 nmol de testosterona num litro de sangue, ao passo que uma mulher tem em média 0,7 a 2,8 nmol/l. a regra dos 10 nmol/l parece ser excessivamente optimista e optimisticamente inclusiva. no caso dos desportos individuais, as federações das modalidades estabelecem os seus próprios critérios, sendo que a federação de atletismo já definiu 5 nmol/l como máximo permitido para transgéneros, e espera-se que outras o venham a fazer.
trata-se de uma vantagem explorada por laurel, dizem os do contra, uma vez que esta questão vai além do mero cumprimento dos mínimos estabelecidos em regulamentos, manifestando-se em características biológicas que são insuprimíveis e que beneficiam os transgéneros. para os a favor, as terapias de supressão hormonal, a par dos efeitos físicos e psíquicos da transição de sexo, são suficientes para reduzir qualquer suposta vantagem que os transgéneros possam ter devido à sua biologia natal, tratando-se também de uma questão de direitos humanos, de igualdade e inclusão – que, dizem, é o verdadeiro e primeiro espírito dos jogos olímpicos.
sobre a questão da inclusão, basta olharmos à nossa volta para ver que o desejo de inclusão per se muitas vezes cega e deturpa o conceito original do objecto desejado incluso, pervertendo a intenção de inclusão e transformando-a numa inclusão forçada e injusta.
as evidências científicas ainda não são confiáveis, uma vez que a transição de género é um fenómeno relativamente recente, e ainda não existem conclusões sólidas sobre as implicações físicas das terapias de supressão hormonal em atletas de alto rendimento. não obstante, as diferenças macroscópicas entre homens e mulheres são óbvias, mas também o são ao nível microscópico e podem, no que diz respeito ao desporto de elite, fazer a diferença.
o argumento de que a puberdade masculina aumenta o tamanho do coração, dos pulmões, reduz a percentagem de gordura e provoca alterações no esqueleto é aceite pela comunidade científica. especialistas argumentam que essas diferenças trazem vantagens biológicas na ordem dos 10-12% em natação e ciclismo, chegando aos 30-40% em levantamento de peso. laurel passou pela puberdade masculina e competiu a maior parte da sua vida como homem.
caitlyn jenner, mulher transgénero e antiga campeã olímpica no decathlon masculino de 1976, quando ainda se chamava bruce jenner, acredita que permitir que mulheres transgénero compitam com mulheres biológicas é uma enorme injustiça. defensora dos direitos das pessoas transgénero contra a discriminação da administração trump, jenner é clara quando se trata do desporto: é uma questão de justiça, diz ela, e deixar mulheres transgénero competir com mulheres biológicas é simplesmente injusto.
independentemente dos diferentes graus de novidade que a questão dos transgéneros possa representar para cada um de nós, o certo é que o desporto, em toda a sua extensão – neste caso, particularizado nos jogos olímpicos – está a criar, rever e a estender ou restringir a participação de atletas transgénero nas competições, minimizando as vantagens biológicas que possam existir, e equilibrando o jogo o melhor possível. que é esse o objectivo máximo: a equidade entre os desportistas.
o engraçado desta história é que, apesar de todos os medos e prenúncios de desgraça, apesar de todas as vozes que previam a vantagem inequívoca da atleta transgénero, a prestação de laurel hubbard foi péssima. esperava-se tanta injustiça e vitória prévia da atleta transgénero e no fim de contas, ela ficou em último lugar, atrás de todas as suas rivais.
ao deixar cair por terra o seu sonho de glória olímpica, laurel feriu de morte os vaticinadores da vitória injusta. esperam-se desenvolvimentos.
Comentários
Enviar um comentário