MMXXII.03 - WASTED YOUTH
no passado dia 20 de janeiro de 2022, morreu michael lee aday, o músico norte-americano mais conhecido pelo nome artístico de meat loaf, autor da trilogia “bat out of hell”, da qual o segundo volume: “bat out of hell ii: back into hell”, escrito por jim steinman e lançado em 1993, o catapultou definitivamente para a fama e estrelato da minha geração (a cauda da “geração x” ou, em portugal, os últimos da “geração rasca”), especialmente através da balada “i’d do anything for love (but i won’t do that)”, ambiciosa nos seus magníficos 12 minutos quando usada para dançar um slow com as raparigas nas festas de garagem daquela altura.
antes desta maravilhosa e verdadeira canção de engate, apenas o “november rain” dos guns n’roses conseguia a proeza de nos permitir dançar agarradinhos a uma rapariga durante uns completos 8 minutos e 57 segundos, que, mais movimento menos movimento, entre acender e apagar as luzes da garagem, somava uns maravilhosos 9 minutos de slow. entra! se não dava para sacar uns amassos abaixo da cintura e, quando corria bem, uns linguados à rapariga durante aqueles 9 minutos de música, mais valia não voltar a pedir para dançar e avançar para uma próxima aventura.
para além da maravilhosa balada com videoclip na mtv tão faustoso e megalómano quanto a sua duração, meat loaf concebeu um álbum que foi importantíssimo para a minha construção de personalidade adolescente, acompanhando-me ao longo dos meus anos como jovem adulto e, agora, já adulto, por vezes à laia de guilty pleasure, outras assumidamente parte de mim, algumas das músicas que compõem este “bat out of hell ii: back into hell” são, ainda hoje e passados 29 anos contados do seu lançamento, não tanto peças nostálgicas de um passado já ido, mas antes lembretes daquilo que fui, daquilo que sou e daquilo que pretendo continuar a ser.
a começar pela segunda música do álbum, “life is a lemon and i want my money back” – um piscar de olhos à acidez da vida, à sua amargura e à impossibilidade de pedirmos o reembolso por nela estarmos imersos e ser sempre tarde de mais. “it’s all or nothing / and nothing’s all i ever get” e a certeza de que o não está sempre garantido, a expectativa deve ser baixa para que a desilusão não nos consuma. “it’s always something / there’s always something going wrong / that’s the only guarantee / that’s what this is all about” reforça esta constante certeza de que se algo puder correr mal, correrá mal.
e os “morons”, os “stooges” que fazem as regras deste mundo, aqueles que do alto do seu poder oculto manipulam tudo o que nos rodeia, no fundo, isto não é um jogo é apenas uma rota. escolhe a que quiseres, segue a que preferires, mas sê honesto para contigo próprio. não te esqueças que a mancha da malfeitoria não sai nem com o melhor detergente, que é como quem diz, na boca do povo, a “água lava tudo, só não lava a má-língua”. não sejas maldizente, sê honesto, mesmo que a vida seja um limão e que queiras o reembolso, não o faças à custa dos outros.
e nunca percas de vista as afirmações lapidares que deves levar contigo para a vida: o amor é defeituoso, parte-se sempre a meio; o sexo também, não foi feito para durar; a família, cujas pilhas acabam por se viciar; os amigos, difíceis de se encontrar; a esperança, corroída e decaída, tal como a fé, que é esfarrapada e desgastada; e os nossos deuses, defeituosos, por não terem garantia; e a nossa cidade natal, por ser um beco sem saída, tal como a escola, que nos ensina a conformidade; sem falar no nosso trabalho, repetitivo e doloroso até ao dia da nossa morte; a nossa infância, defeituosa, porquanto morta e enterrada no nosso passado, juntamente com o futuro, que o podem enfiar pelo rabo acima.
quero o meu reembolso. sim, mais do que a veracidade dos versos e da actualidade dos seus ensinamentos é a constante lembrança de onde viemos e para onde vamos. a vida é um limão, amarga, mas maravilhosa por termos a felicidade de a vivermos.
depois, o terceiro single “objects in the rear view mirror may appear closer than they are” – uma deliciosa brincadeira com o aviso dos espelhos retrovisores dos carros de que “objects in the rear view mirror are closer than they appear” – e, mais tarde, uma relação pessoal com a música “rearviewmirror” dos pearl jam, lançada no álbum vs, que versa precisamente sobre a aparente proximidade presente dos acontecimentos passados e de como tendemos a viver o quotidiano guiados pela vontade de fugir do que ficou lá atrás, trazendo para perto de nós aquilo do qual não conseguimos fugir.
não te esqueças nunca de que és o resultado de tudo o que viveste – bom ou mau – e que o teu presente apenas a ti pertence, sendo que o futuro será sempre teu a construir, se souberdes juntar os cacos daquilo que julgas partido e moldares com a argamassa do que consideras sólido e seguro para avançares. sempre consciente de que o passado lá trás pertence, mas que olhá-lo é, no fundo, vê-lo mais próximo do que aquilo que ele está. tal como meat loaf canta “but it was long ago, and it was far away / oh god, it seems so very far / and if life is just a highway / then the soul is just a car”.
depois, o poema-monólogo “wasted youth”, que descreve o assassinato de um jovem com uma guitarra fender, sem lembrança de ser uma telecaster ou uma stratocaster, mas com um coração cromado e a voz de um anjo entesado. um sacrifício em nome da música e da capacidade de se tocar notas e sons nunca antes ouvidos – que é o que interessa, não é? – a eterna busca da perfeição, da novidade, da inovação que nos permite estar sempre um passo à frente.
passos dados na direcção do quarto de cama do pai e da mãe, que nem o climax do “the end” dos doors, nos versos de jim morrison, o confronto com as figuras parentais, o presente contra o passado, a vontade de matar o rei e tomar o trono, o levantar da guitarra sobre a cabeça e o pai acordar berrando “stop / wait a minute, stop it boy. what do you think you’re doing? / that’s no way to treat an expensive musical instrument” e a voz lamentar, no fundo, como sempre se lamenta a incompreensão da paixão pela música, pela batida que ressoa no interior do nosso corpo, como parte de nós, como parte do agora, do futuro, numa cadeia de união entre os tempos imemoriais daquilo que nos vibra. e a resposta, “god damn it, daddy / you know i love you, but you’ve got a hell of a lot to learn about rock n’ roll!"
e de repente o riff de entrada da “everything louder than everything else”, a interromper parte do eco do “roll!” anterior, duas músicas como uma só, o poema como introdução e preparação para a explosão e a afirmação final – ao estilo da “happiest days of our lives / another brick in the wall (part.2)” dos pink floyd – de que a educação de nada nos serve quando repressiva. não é a educação que nos salva sozinha – muito menos a escola. é a vida, o vivermos com a intensidade de nos sabermos finitos e breves instantes fugazes que importa potenciar.
e o mote: a wasted youth is better by far than a wise and productive old age.
nunca te esqueças, meu filho, de que aquele que não vive a sua juventude nunca será um adulto resolvido. os velhos mais velhos que conheço são aqueles que lamentam o que não fizeram. desconfiemos, sempre, de quem não ama a música.
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